Elas administram carteiras de até 90 bilhões de reais e comandam equipes formadas quase que somente por homens. Conheça o perfil de três mulheres que lideram áreas importantes de grandes bancos no país
Terno, fala agressiva e um estilo arrojado. Foi assim, adotando um perfil masculino, que até a década de 80 as mulheres conseguiam ocupar cargos no mercado financeiro. “Elas enfatizavam essas características sabendo das dificuldades de competir com os homens”, diz Carmem Lúcia Rittner, professora de psicologia organizacional e do trabalho da PUC-SP. A docilidade e o uso de acessórios femininos não eram considerados adequados para quem trabalhava na mesa de operações de grandes bancos. “Se a mulher fosse muito feminina, ela não era aceita nas instituições”, diz Carmen Migueles, professora de antropologia do consumo e cultura organizacional da Fundação Dom Cabral, em Minas Gerais. Hoje, o cenário é diferente.
As mulheres assumiram suas características dentro das empresas. “Depois de 40 anos no mercado de trabalho, elas não precisam mais provar que sabem trabalhar”, diz Carmen, da Fundação Dom Cabral. Mas foi só na década passada que elas começaram a ocupar cargos de gestoras de recursos nos bancos. “As mulheres conseguem lidar melhor com sutilezas que são importantes para quem trabalha com clientes”, diz Fábio Saad, gerente de divisão da área do mercado financeiro da Robert Half, empresa de recrutamento especializado, com escritório em São Paulo e no Rio de Janeiro. Conheça nas próximas páginas o perfil de três mulheres que administram áreas importantes de grandes bancos no país.
COMPETÊNCIA RECONHECIDA
Em um canto do oitavo andar do prédio do Banco Real, na Avenida Paulista, em São Paulo, fica a sala de Luciane Ribeiro, de 45 anos, presidente da asset management do Grupo Santander Brasil, que administra 90 bilhões de reais e comanda uma equipe de 140 pessoas. O lugar tem vasos de plantas e alguns quadros, que fazem parte do acervo cultural da instituição. A mesa dela tem pilhas e mais pilhas de papéis com boletins do mercado financeiro. A justificativa para tanto papel, acredite, é o excesso de organização. “Cuidar do dinheiro dos clientes exige muita responsabilidade, profissionalismo e transparência. Eles dependem da eficiência das nossas sugestões para investir”, diz.
A gestora faz parte de um seleto grupo de mulheres que ocupam cargos de confiança e que já sofreram preconceito no trabalho. “No início da carreira, em reuniões com homens, eu achava que ninguém me escutava. Eu tinha de falar alto, mas isso mudou quando provei minha capacidade”, diz Luciane. Hoje, depois de 25 anos de carreira, ela foi a responsável por integrar as operações de asset e os profissionais da área do Banco Real e do Santander em meio à crise financeira internacional no ano passado. “Perdi noites de sono porque queria transmitir um voto de confiança para a equipe.”
Para ela, os profissionais do Real estranharam sua presença como presidente da asset porque ela foi a primeira mulher a ocupar o cargo. “As pessoas tentaram questionar minha capacidade.” Com o tempo, ela demonstrou suas habilidades e foi reconhecida pelos outros profissionais. “Chefe novo é sempre difícil, mas com dedicação e uma postura correta, ela conquistou a equipe”, diz Aquiles Mosca, de 34 anos, superintendente comercial e estrategista de investimentos pessoais do Santander Asset, que trabalha com Luciane há três anos. “A Luciane precisa trabalhar com uma equipe em que ela confie muito, só dessa forma ela consegue dar autonomia”, diz Aquiles.
Luciane Ribeiro começou a trabalhar em 1983 como estagiária da mesa de operações do BankBoston. Dois anos depois, foi para o Banco Safra, onde fi cou por 20 anos. Em 2006 assumiu o cargo de presidente da asset do ABN Amro para a América Latina. Após dois anos, virou presidente da gestora de recursos do Grupo Santander.
Perfil de Luciane
1. Escuta a equipe antes de tomar uma decisão.
2. Tem várias ideias durante a noite e anota em um papel.
3. Apaixonada por pintura e balé, ela prestou vestibular para arquitetura, mas não cursou. Fez economia na Fundação Armando Álvares Penteado (Faap), em São Paulo.
4. Não fez especialização nem mestrado.
5. Luciane concilia a vida familiar e profissional. “Quando chego em casa cansada e vejo o sorriso do meu filho, tenho a impressão que dormi e acordei de novo.”
OBJETIVIDADE E SENSIBILIDADE
Com um lápis amarelo na mão, Roseli Machado, de 44 anos, diretora da Fator Administração de Recursos, de São Paulo, não deixa escapar nenhuma informação. Anota tudo enquanto fixa os olhos nas telinhas que indicam as movimentações do mercado financeiro. Ela administra 4 bilhões de reais e comanda 37 homens. Diante de tantos profissionais do sexo masculino, ela diz que o relacionamento da equipe dá supercerto. “Os homens são objetivos e eu sou objetiva também. Eles sabem rapidamente quais são os resultados que eu espero”, diz
Quem trabalha com ela reconhece suas qualidades e garante que elas fazem a diferença na hora de administrar. “Ela consegue compatibilizar a capacidade analítica com a sensibilidade e com isso antecipar as tendências do mercado”, diz Gélio Luiz Barreto, de 38 anos, gestor de renda variável da Fator Administração, que conhece Roseli há 13 anos. “Por natureza, a mulher tem um perfil mais conservador e não se arrisca tanto. Roseli consegue equilibrar a hora certa de assumir riscos e a hora de colocar o pé no chão”, diz Gélio.
A dedicação ao trabalho faz com que Roseli não durma sossegada. “Acordo no meio da noite para ver os mercados asiáticos, que já estão operando.” Em 20 anos de carreira, foi justamente a Ásia que tirou seu sono por mais noites. A crise econômica dos países asiáticos, em 1997, foi a primeira, na visão dela, globalizada. “Começou lá e se espalhou pelo mundo. A preocupação era com os reflexos da crise no Brasil”, diz Roseli.
Roseli Machado fez administração de empresas na Fundação Getulio Vargas (FGV) e mestrado com ênfase em fi nanças também na FGV. Foi gestora no Banco SRL e no Grupo Bunge Born. Em 1997, foi convidada para formar a área de administração de recursos do Banco Fator, onde está há 12 anos.
Perfil de Roseli
1. Lista todos os compromissos com a equipe e com a família. “Sou organizada, mas ao mesmo tempo esquecida.”
2. Acorda às 5h30 para ver as notícias do mercado financeiro e às 8h começa as reuniões no banco.
3. Depois de 12 horas por dia no banco, o tempo para a família é curto. Nos fins de semana, ela viaja com o marido e os dois filhos pequenos para a praia.
4. Pensou em cursar engenharia química e jornalismo.
EQUILÍBRIO E SERENIDADE
É em uma sala com móveis luxuosos e cadeiras confortáveis que Helena McDonell, de 53 anos, diretora do HSBC Private Banking, de São Paulo, recepciona os clientes que procuram ajuda para administrar seu dinheiro. Seu dia-a-dia é identificar as tendências do mercado financeiro e adequá-las às necessidades de cada um dos clientes. Tentar entender o mercado financeiro exige muita pesquisa e leitura. “Meu segredo é equilibrar as leituras ligadas à situação econômica e as associadas ao meu desenvolvimento pessoal, como filosofia, história e atualidades.”
Helena sempre teve dificuldades para equilibrar a vida profissional e a familiar. Mas hoje ela consegue balancear bem as relações. Durante a semana, Helena organiza jantares e passeios com o filho e o marido. Para aliviar o estresse, ela prepara pratos da cozinha indiana, mergulha, anda a cavalo e cuida do jardim e da horta que tem na casa de praia. “Eu decidi que eu mesma cuidaria deles. Estou louca para voltar lá para transplantar os temperos”, diz.
Esse jeito determinado e sereno de Helena se reflete no dia-a-dia com seus 85 colaboradores. Gilberto Poso, de 40 anos, é diretor do Private HSBC para a região Centro-Norte e trabalha há quatro anos com a executiva. Ele conhece bem o perfil da gestora e diz que ela sempre expõe suas opiniões e critica os profissionais quando é necessário. “Em uma reunião que tivemos, eu me posicionei de forma ríspida e ela disse para eu ter mais cuidado na hora de expor meus argumentos, mesmo que eles pareçam estar certos”, diz Gilberto.
Helena McDonell se formou em psicologia, mas não se entusiasmou pela área. Trabalhou com recursos humanos em bancos, montou sua própria consultoria e virou coach para executivos financeiros. Depois tornou-se diretora de recursos humanos de um banco e em seis meses estava na área de gestão de recursos.
Perfil de Helena
1. Pela manhã, depois de fazer exercícios acompanhada de um personal trainer, ela lê os jornais e assiste à BBC e à Globonews. À noite, aproveita e lê revistas nacionais e internacionais.
2. Helena cursou psicologia, mas depois fez pós-graduação em marketing e finanças na Fundação Getulio Vargas (FGV).